A função de síndico é uma das mais antigas e essenciais na vida em condomínio, prevista expressamente no Código Civil (artigos 1.347 e seguintes). Tradicionalmente, os moradores têm liberdade para escolher entre um síndico condômino (morador ou proprietário) ou contratar um síndico profissional, responsável pela gestão administrativa e financeira do edifício.
No entanto, um novo projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados tem provocado debates acalorados sobre os limites da regulamentação estatal e o futuro da profissão. Trata-se do Projeto de Lei nº 4.739/2024, que busca disciplinar o exercício da atividade de síndico administrador de condomínios e, entre outras medidas, estabelece a obrigatoriedade de formação superior para os síndicos profissionais não condôminos.
O que diz o Projeto de Lei 4.739/2024
O texto original apresentado tinha caráter abrangente: aplicava-se a qualquer síndico, inclusive moradores ou proprietários eleitos em assembleia. Essa versão gerou forte reação por ser considerada uma intervenção excessiva na autonomia condominial.
Diante das críticas, o relator da matéria na Comissão de Trabalho (CTRAB), deputado Léo Prates (PDT-BA), apresentou um Substitutivo que restringe o alcance da proposta. Pelo novo texto, as exigências de registro e formação acadêmica aplicam-se exclusivamente aos síndicos profissionais não condôminos, isentando os síndicos moradores.
As principais novidades são:
- Obrigatoriedade de registro no Conselho Regional de Administração (CRA) para os síndicos profissionais.
- Registro especial para empresas que prestem serviços de administração condominial.
- Período de transição para profissionais que já atuam na área sem a formação exigida.
- Rol ampliado de atribuições para os síndicos profissionais, incluindo gestão de pessoal, promoção da harmonia entre condôminos, transparência contábil e poder de advertência.
O impacto da proposta para os condomínios
A exigência de formação superior e registro no CRA cria uma distinção inédita no ordenamento jurídico: síndicos condôminos e não condôminos passariam a ter formação e requisitos diferentes, embora as responsabilidades legais previstas no Código Civil permaneçam as mesmas.
Especialistas do setor apontam que isso pode gerar insegurança jurídica e dificuldades práticas. Muitos condomínios optam por contratar síndicos profissionais justamente para suprir lacunas de tempo, conhecimento ou disponibilidade dos moradores. A imposição de requisitos formais pode reduzir a oferta de profissionais, encarecer serviços e limitar a autonomia dos condôminos em escolher quem melhor se adequa à sua realidade.
Críticas e questionamentos de constitucionalidade
Diversas entidades do setor imobiliário, como o Secovi Rio, já se manifestaram contrárias ao projeto. Para a entidade, a proposta “cria restrições desnecessárias e ignora a realidade prática da gestão condominial”.
Entre os principais pontos levantados pelas críticas estão:
- Liberdade contratual: o condomínio, como ente privado, deveria manter autonomia para escolher livremente seu representante legal.
- Princípio da isonomia: síndicos condôminos e não condôminos exercem funções idênticas, mas teriam exigências diferentes.
- Excesso de regulação: o Código Civil já disciplina com clareza as atribuições e responsabilidades do síndico.
Para juristas e associações, a medida seria inconstitucional, pois fere princípios de liberdade, igualdade e autonomia da vontade.
Tramitação do Projeto de Lei
O relatório com o Substitutivo do deputado Léo Prates aguarda votação na Comissão de Trabalho (CTRAB) da Câmara dos Deputados. Se aprovado, seguirá para outras comissões antes de chegar ao plenário.
Enquanto isso, a sociedade civil e o setor condominial acompanham atentamente os desdobramentos. A Câmara dos Deputados, inclusive, disponibilizou uma enquete pública online para que qualquer cidadão manifeste sua opinião sobre o tema. A enquete pode ser acessada no link oficial: Enquete do PL 4.739/2024.
Reflexões sobre a vida em condomínio
A proposta reacende uma discussão relevante: até que ponto o Estado deve intervir nas escolhas privadas de gestão condominial? A exigência de formação acadêmica para síndicos profissionais pode ser vista como um avanço na profissionalização do setor ou como uma barreira burocrática desnecessária.
O debate está aberto e promete se intensificar à medida que o projeto avance no Congresso.